segunda-feira, 24 de março de 2014

História estranha

 Um homem vem caminhando por um parque quando de repente se vê com sete anos de idade. Está com quarenta, quarenta e poucos. De repente dá com  ele mesmo chutando uma bola perto de um banco onde está a sua babá fazendo tricô. Não tem a menor dúvida de que é ele mesmo. Reconhece a sua própria cara, reconhece o banco e a babá. Tem uma vaga lembrança daquela cena. Um dia ele estava jogando bola no parque quando de repente aproximou-se um homem e…
        O homem aproxima-se   dele   mesmo.   Ajoelha-se, põe as mãos   nos   seus   ombros   e   olha   nos   seus olhos. Seus olhos se enchem de lágrimas. Sente uma coisa no   peito. Que coisa é a vida. Que coisa pior ainda é o tempo. Como eu era inocente. Como os meus olhos eram limpos. O homem tenta dizer alguma coisa, mas não   encontra   o   que   dizer.   Apenas   abraça  a   si   mesmo,   longamente.   Depois   sai   caminhando, chorando, sem olhar para trás.
        O   garoto   fica   olhando   para   a   sua   figura   que   se   afasta.   Também se reconheceu.   E   fica   pensando, aborrecido: quando eu tiver quarenta, quarenta e poucos anos, como eu vou ser sentimental!
                                                     (Luís Fernando Veríssimo, Comédias para se ler na escola)

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